Tuesday 22 June 2010

Desabafo

Eu leio o Estadão by default. Quem tem grana pra assinar é meu pai, não eu. Leio há anos, então conheço a nojeira parcial que é o jornal, especialmente os textos opinativos – mas pelo menos admitem, na cara dura, o que são, diferentemente da Folha.

Então, quando vejo a chamada na capa pra coluna de ninguém menos que Arnaldo Jabor, é porque já começou mal. E penso, “nem vale a pena ler”. Mas só a chamada já faz as rodinhas na minha cabeça começarem a girar:

Os brutamontes da militância
No poder, os velhos esquerdistas perderam a mística. Esses quadrilheiros usurparam os melhores conceitos da verdadeira esquerda.”

Bem, meu querido Jabor, pelo menos não se venderam para o inimigo como você. Acho engraçado como a alcunha de direita, conservador, é xingamento no Brasil, a ponto dos que são nunca o admitirem. “Somos sócio-democratas, centro-esquerda.” Nunca direita. Isso só doidos como o Enéas.

Tá, não se venderam pra esse establishment que tá aí, mas se venderam pro establishment das instituições de esquerda, que hoje em dia não são muito melhor. Mas são, porque são honestos. Não são hipócritas como você. Sabem o que são, sabem o que querem, admitem os meios pelos quais conseguem o que querem.

Até porque, quem não é vendido é jovem, ingênuo, idealista. É errado ser de esquerda depois dos 30, não é?

Mas você tá falando de quem está no poder, não é? Não sei de quem você tá falando, até porque pra chegar no poder, precisa se vender ao establishment. Ao seu establishment, que não admite que quem esteja no poder não seja quadrilheiro.

Tá, sabendo que não devo, vou tentar ler a maldita coluna...

Hahahaha. Já começa mal. O próprio já diz que não é possível ser esquerdista e democrata (whatever the fuck that’s supposed to mean) ao mesmo tempo. Então como você vai usurpar os “melhores conceitos da verdadeira esquerda” ao chegar ao poder numa suposta democracia – questionável não pela ideologia bolchevista de quem chegou ao poder, mas pelo sistema anti-democrático que criou e em que está inserida.

Próximo parágrafo diz tudo: “...os velhos esquerdistas perderam a aura mística, a beleza romântica da clandestinidade que os santificava.” Esquerdista bom é esquerdista clandestino, escondido, torturado. Até porque, não há mais um inimigo, acabou a ditadura, então pra quê ser militante de esquerda?

Bela democracia essa.

Mas é uma hipocrisia sem noção. O infeliz reclama dos xingamentos, das ameaças. Admito, tem muito ‘petralha’ por aí que é tão ruim quanto os fiéis seguidores do ‘Tio Rei’, mas estes, como Jabor, são muito mais ofensivos.

Uma das ofensas é achar que é tudo igual. Uma das principais razões pela qual a esquerda contemporânea, especialmente a brasileira, está na merda é porque é muito rachada. O que é bom. É pluralismo. Dificulta na hora de agir, mas o debate está lá.

O debate não está no discurso do Jabor. Porque essa esquerdalha que fica falando merda na internet é a mesma do PT e de quem está no poder – são de esquerda ainda?

“Não há mais autocrítica.” Não? Concordo, há uma simplicidade de pensamento entre muitos, presos entre 1917 e 1968.

Argh! Repito: o militante da rua, sem filiação política, só o ideal, NÃO É o mesmo que está em Brasília, maldito!

Cansei da generalização. Cansei dos rótulos. Direita, esquerda, democracia, socialismo. É tudo a mesma coisa. Pra você já é: o partido que se diz de esquerda e o cara que não concorda com nada que o partido faz mas também se diz de esquerda. O preconceito de ideologia política parece que substituiu o racismo, caralho!

Quer saber, então? Não sou de esquerda! Não sou democrata, nem liberal, nem socialista, nem comunista, nem anarquista, nem autocrata, nem populista. Vai me xingar do quê agora? Comcerteza vai encontrar alguma coisa, não é?

Tenho que parar de ler essas merdas...

1 comment:

Daniel Duende said...

Admiro sua boa vontade de ler a defecação remunerada do Jabor. E admiro mais ainda sua disposição para questioná-lo ponto a ponto.

Jabor nunca foi exatamente "de esquerda", se levarmos em conta o que ele chama de esquerda. Nada havia de revolucionário ou questionador de verdade em sua obra e em seu pensamento, nem então, nem agora. É, como muitos, uma farsa do auto-marketing que se vendeu bem no passado para um grupo de esquerdistas deslumbrados. O mesmo que fez, com consideravel maestria, o hoje mumificado FHC.

E a "esquerda" de verdade, o que será? A pergunta é boa, e eu tenho CERTEZA de que ninguém do naipe de Jabor e seus companheiros de defecância está preocupado em sequer cogitá-la.

Há quem diga que a "esquerda" nem sequer existe, o que torna também inútil a sua contraparte, a tal "direita". São apenas nomes, rótulos que entram e saem de moda, e mudam de valor com os dias.

Tenho uma certa alergia a qualquer discussão que comece com "mas a esquerda...". Geralmente são aquelas que não levam a lugar nenhum, pois ao menos um dos envolvidos não tem nada a dizer que já não tenha sido dito por algum grande e canalha jornal paulista.